26 julho 2005

quem anda me comendo é o tempo***

Entre livros técnicos, ando lendo romances onde discutem a psicanálise e a filosofia, lendo livros que misturam a neurociência com a filosofia... Descobrindo escritores e leituras que me dão ainda mais prazer em ler. E eu quero fazer uma mistura do que ando lendo aqui e agora...
Nietzsche uma vez escreveu que a maior diferença entre o homem e a vaca era que a vaca sabia como existir, como viver sem angústia – isto é, sem medo – no bendito presente, sem o peso do passado e a preocupação com o futuro. Mas nós, humanos “infelizes”, somos tão perseguidos pelo passado e pelo futuro que só podemos passar rapidamente pelo presente. Eu não discordo dele. Só discordo da parte onde ele diz “somos tão perseguidos pelo passado”. Tem o outro lado da moeda: nós perseguimos o passado. Nem todo mundo faz isso. Nem sempre. Mas acontece.
E penso e repenso as relações. A fragilidade dos laços. A misteriosa fragilidade dos vínculos, o sentimento inspirado, o apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los soltos. É isso que eu quero entender melhor. O que leio e, sobretudo, o que eu vivo me ajudam. E fico pensando em como eu gostaria de ter feito psiquiatria. Nesse caso, eu queria ter feito doutorado em filosofia.
Mas o principal herói deste post é o relacionamento. Seus personagens somos nós. Alguns em situação complicada por terem sido abandonados aos seus próprios sentidos e sentimentos facilmente descartáveis. Pessoas que buscam a segurança pelo convívio e por alguém com quem possam contar num momento de aflição, de angústia, de necessidade de carinho. No entanto, desconfiamos do “laço permanente”, talvez com medo dessa condição. De não estarmos aptos ou dispostos.
Todo mundo gostaria de ter uma solução pronta: comer o bolo e ao mesmo tempo conservá-lo. Mas a maioria não quer perder a “liberdade” de buscar relacionamentos de bolso. Sim, aqueles do tipo "pode dispor quando necessário". Bacana poder viver assim, né? Que nada. “Essa onda que tu tira, qual é? Essa marra que tu tem, qual é?” Acabam “tirando onda com ninguém...” Qual é? Deixar todas as portas abertas pensando em outros investimentos é vazio demais. Ser livre não é beijar na boca e não ser de ninguém.
Não, isso não tem nada a ver com levar uma vida “estilo Schopenhauer”. Nada de evitar pessoas. Pensar nelas como bípedes e na teoria do porco-espinho pode ensinar coisas bacanas, mas quero empinar pipa também. Quero rir muito de qualquer coisa e ser boba! Eu quero acreditar sempre! “Estamos todos na sarjeta, mas alguns estão olhando para as estrelas”, já dizia Oscar Wilde! Voltando ao nosso Schopenhauer, quem disse que ele era pessimista? O cara tinha era uma fortíssima veia cômica! E como o meu sorriso é lindo!

“... Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo, repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante...”.
(Caio Fernando Abreu, "Os dragões não conhecem o paraíso")


*** Título inspirado em Viviane Mosé.

8 comentários:

  1. 'A arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal'. Machado de Assis
    Mari

    ResponderExcluir
  2. olá! cheguei por aqui e nem bem li, ainda, muito além do título desse post - que me lembrou uma poesia que adoro: "Instante", da Viviane Mosé - poeta, psicanalista e filósofa. conheces?

    "quem tem olhos pra ver o tempo soprando sulcos na pele soprando sulcos na pele soprando sulcos?

    o tempo andou riscando meu rosto
    com uma navalha fina
    sem raiva nem rancor
    o tempo riscou meu rosto
    com calma

    (eu parei de lutar contra o tempo
    ando exercendo instantes
    acho que ganhei presença)

    acho que a vida anda passando a mão em mim.
    a vida anda passando a mão em mim.
    acho que a vida anda passando.
    a vida anda passando.
    acho que a vida anda.
    a vida anda em mim.
    acho que há vida em mim.
    a vida em mim anda passando.
    acho que a vida anda passando a mão em mim

    e por falar em sexo
    quem anda me comendo
    é o tempo
    na verdade já faz tempo mas eu escondia
    porque ele me pegava à força
    e por trás
    um dia resolvi encará-lo de frente e disse: tempo
    se você tem que me comer
    que seja com o meu consentimento
    e me olhando nos olhos

    acho que ganhei o tempo
    de lá pra cá ele tem sido bom comigo
    dizem que ando até remoçando"

    (se te contei alguma coisa que já sabias, desculpas ;))

    e agora vou ler o resto do blog. beijo.

    ResponderExcluir
  3. “Estamos todos na sarjeta, mas alguns estão olhando para as estrelas”..interessante.. e reflete mto a sociedade em k vivemos...

    ResponderExcluir
  4. Após ter lido o post, fiquei pensando, não no texto como um todo, mas em certos trechos. Lembrei de tanta coisa que você vem dizendo, lendo e escrevendo...lembrei da citação que fez referindo-se a uma amiga:"as pessoas são superficiais porque perderam a coragem de viver o profundo".É essa alta rotatividade dos vínculos, a fragilidade dos vínculos que se tornou uma saída para aqueles que não querem sofrer, como bem lembra o psicanalista Paulo Sternick. Freud já dizia que a dor do amor era uma das mais terríveis. No fundo, todos tememos essa dor, e passamos a não nos entregar, a nos resguardar.
    "Trocam o risco pela segurança, o perigo da dor pelo vazio. Arma-se o círculo vicioso: ficam diante do império dos sentidos e das relações superficiais. Ontem, o amor romântico e o clima de repressão excluíam a sexualidade. Hoje, é a liberalização da sexualidade que remove o sentimento. Há uma verdadeira pedagogia do desamor: exercita-se a capacidade de não-amar, até com orgulho e sentimento de triunfo, com expressões do tipo "não me pegam mais" (Paulo Sternick)
    Por fim, pensei ter entendido em seu post, que os 'relacionamentos estáveis' seriam uma tradução da busca pela segurança. Sei que todos procuram essa tal segurança, porém, qq tipo de relacionamento sempre terá por base o sentimento. Sentimentos não são estáveis, como nos alerta Nietzsche. Podemos, no máximo, prometer que cumpriremos com os 'atos' relacionados ao amor, mas jamais prometer eterno amor.
    Sinta o amor, se entregue, não tema a terrível dor de Freud: acredite, o sentimento (amor) em sua plenitude sempre vale a pena.

    : )

    ResponderExcluir
  5. ah! :D

    aliás, gostei muito do teu blog. vários temas que aqui apareceram eu andei discutindo em mesa de bar! vou vir te ler mais seguido. beijo!

    ResponderExcluir
  6. PARA Tiagón!
    Sim, eu conheço! O título do post foi inspirado na poesia de Viviane Mosé.
    Não há porque se desculpar. É linda! E quem não conhece, lendo os comentários vai conhecer.
    Valeu!
    Beijo!

    ResponderExcluir
  7. Simone, o texto e a poesia se completam. Sugiro que a coloque lá no palco...
    Tudo bem se deixar nos comentários, mas ela merece mais luz.
    Beijos!

    ResponderExcluir
  8. muito bem, muito bem! sobre o post passado, tens razão... todos somos estrela e toda estrela tem seu brilho.
    beijos

    ResponderExcluir