27 março 2007

carne viva

Escrever é tantas vezes lembrar-se do que nunca existiu. Como conseguirei saber do que nem ao menos sei? Assim: como se lembrasse. Com um esforço de "memória", como se eu nunca tivesse nascido. Nunca nasci, nunca vivi; mas eu me lembro e a lembrança é em carne viva.



Clarice Lispector

22 março 2007

o que é que te assombra?

Entrego-me inteiramente aos secretos impulsos dos meus dedos. Efeito da excitação de espírito em que me acho. Coração ligado, beat acelerado... Enfim, há um treco que eu queria entender. Não sei. E você acredita que a gente é o que a gente faz. Acaba indo pra cama ou se casa. Briga, se engana porque faz tudo no escuro, sem amar, me entende?

Eu nunca quero ter vergonha do que eu sou capaz de sentir. Quero passear de mãos dadas, brincar de pisar na nossa própria sombra. Café da manhã, almoço, jantar, ligações telefônicas no meio da tarde, no meio da noite. Sons, gostos, sabores. Teu sabor. O doce e o salgado em você. O tempo não existe.

Será amor o nome que damos pra essa necessidade doentia que se destrói? Será que a gente só sabe que ama quando o coração pulsa entre as pernas?

Eu sei que amo porque o meu coração (e o dela) pulsa além do "entre as pernas".

As duas no banheiro depois de ouvir o "clic" da tranca da porta. Você ri tensa, eu sorrio. Abro os braços, dois passos e nos abraçamos. Eu sentada, rosto no seu ventre. Quero ver como são seus olhos quando eles se estreitam.

Quem ama não percebe o jeito que ama. Mas eu percebo que o coração pulsa entre as minhas pernas quando o amor já não cabe na frase. Quando eu descubro que o luar é o que existe de mais perfeito, só que depois, bem depois, muito depois de você.

O pensamento não pára.

Tenho pena das mulheres que não gozam.

14 março 2007

porque não encontro outra maneira...

de dizer o quanto eu desejo ver você feliz.

A vida é assim, está cheia de palavras que não valem a pena, ou que valeram e já não valem, cada uma que ainda formos dizendo tirará o lugar a outra mais merecedora, que o seria não tanto por si mesma, mas pelas conseqüências de tê-la dito.

A Caverna, José Saramago.

06 março 2007

no fundo do meu olho é que mora a coisa

Estou lúcida pra caralho. Banho frio, leite quente com canela, depois deito, depois leio, depois durmo, depois acordo e passo dias sem saber como eu estou passando os dias. Preciso tanto, bicho. O ar que a gente respira. A biosfera. Tô parecendo tão igual. Que nem chuva de verão. Espio pela janela. Céu avermelhado, nuvens quase lilases no horizonte. Sen-tido! Quase sinto meu corpo inteiro parecendo novo. Meu coração é novo. Mas eu estou em busca mesmo é de uma mente nova. No fundo do meu olho é que mora a coisa. Será que isso me dispensa de servir à pátria?

O pensamento é mesmo solitário. E o amor significa coisas inteiramente diferentes dentro de cada um. E reinventa nossas necessidades. Se você gosta de certezas, talvez o amor não seja lugar em que se deva entrar. Os pensamentos ficam desconjuntados. E sempre me escapa a frase quase perfeita. As palavras tropeçam. Eu tropeço. Mas a música me envolve. Me leva leve. Sabe quando você sente saudade, saudade mesmo, e começa a ver a pessoa em todos os lugares?

Talvez a ciência tenha razão e o amor seja uma loucura quimicamente induzida, que seja eterno até que o nosso corpo desenvolva imunidade às substâncias. Explicação certinha essa, não cola. Só o que cola é o amor. O amor gruda. Grude que eu gosto.

Palavras enviadas numa carta. Eu gostaria de dizer muitas coisas, mas acho que perdi o caminho e perdi minhas palavras.

Querido Dom Quixote, todos os cavaleiros andantes já foram pra caminha. Não há mais Dulcinéias acordadas.

Espio pela janela. Céu, lua. Eu.

Espere por mim, minha Dulcinéia!

05 março 2007

ler é libertar a palavra

A civilização moderna depende da leitura. No nosso país, nascer em uma família de leitores é acidente biológico.
O leitor é alguém que pode pensar.