14 março 2006

eu quero enfeitar você

Absorvida na leitura de um livro sobre Wittgenstein e sentindo o aroma de café, penso nos três meses que levei para achá-lo em um sebo. Estava mergulhada na leitura do prefácio do meu livro quando ela me interrompe o pensamento. Vem ao meu encontro com trejeitos e gestos expressivos. Sinto-me feliz. Ela chama o garçom e pede a conta. E ri com riso tímido. E eu a quero inteiramente para mim.

Atravessamos o presente de olhos vendados, mal podemos adivinhar aquilo que estamos vivendo. E é assim que compreendemos o sentido do que sentimos. E ela encoraja o meu interesse por ela. Ficamos "presas" uma a outra em momentos assim. Momentos que sempre existirão em mim, momentos que parecem sair do chão como feiticeiras de Macbeth, em que esse rosto dela com todas as suas transformações e a fala vão me invadir. Pode existir qualquer coisa mais importante que amar e ser amada? E correr os riscos do amor, vale? Não se arriscar é estar aprisionada em seu próprio corpo. Prevenir-se no amor é matar a capacidade de aprender com suas conseqüências. Vale a pena, sim. Mesmo que a canção diga que quando se ama se está sempre na plataforma de uma estação.

Bem posso, como quem ama, andar com os pés na terra e a cabeça no céu, com beijo de lábio de mulher, desejando com um amor possessivo, quase acidental. Amando, eu amo como ninguém no mundo amou. Ninguém conta as horas com ardor mais febril. Tudo é permitido: dizer tudo, tudo fazer, tudo ser, tudo experimentar.

Ela me disse que nunca se despira assim. Diante de mim, segura de si, surpresa por descobrir de repente gestos até então desconhecidos, ao tirar a roupa de forma lenta e embriagadora. Atenta aos meus olhares, amorosamente, saboreando cada etapa. Ela esperou que eu fosse em sua direção, que só houvesse lugar para as minhas carícias mais íntimas. Como poderia ser diferente?

O sexo nos subia à cabeça. Um número incalculável de corações batia em meu ventre. Minha língua buscava na noite salgada, na noite viscosa, na carne quente, na carne frágil. Sempre pensei que um dia ia tropeçar no meu tesão. Cheiramos. Percorremos. Mordemos. Esprememos. Lambemos. Todos os movimentos mais ondulantes e cadenciados. Sem-vergonhas. Retorcendo-nos. Atirando-nos uma na outra, confundindo nossos líquidos, nossos cheiros. Você me engravida de feminilidade. Eu logo sentiria as delícias do seu orgasmo. Assim. Assim. Assim. Assim. Assim...

Por instantes posso deixar de acompanhar as mazelas desse mundo para romancear a vida. Posso confiar em minha felicidade, confiar em meu amor, e me abandonar a essa agradável sensação conquistada, olhando-a em silêncio e tratando de verificar o que foi que aconteceu de tão bom.

Amor tem tantos gostos.
"... And now you're mine. Rest with your dream in my dream.
Love and pain and work should all sleep now.
The night turns on its invisible wheels,
and you are pure beside me as a sleeping amber.

No one else, Love, will sleep in my dreams. You will go,
we will go together, over the waters of time.
No one else will travel through the shadows with me,
only you, evergreen, ever sun, ever moon."


PABLO NERUDA. I crave your mouth.

P.S. Porque dia 14 de março é o Dia Nacional da Poesia.