27 agosto 2005

meu amor, minha flor, minha menina, solidão não cura com aspirina

Para viver também é preciso certa loucura.
E sigo atravessando cotidianos-labirínticos-coloridos. E não vou distraída nem tenho disfarce algum. E tanto que eu quero dizer, mas não cabe aqui. E minha janela escancarada para a noite enorme lá fora. E céu, planetas, constelações, objetos não-identificados. E será que consigo avistar Órion? Betelgeuse, Alnilam, Bellatrix. Só quero estender a mão e tocá-las.
Não fico para sempre perdida entre representações de coisas que ficaram perdidas no tempo. E o que se perde no tempo leva junto a sua própria existência. E é fácil continuar se perdendo no que deixou de ser você.
Mas de alguma maneira é preciso reagir ao que acontece à nossa volta. Até mesmo porque a não-reação seria ainda uma forma de participar, de permitir que a coisa aconteça sem interferir. Mas todos temos o direito de falhar.
E tudo é tão. Tão imediato. Tão agora. Tão já. E não é. Um bichinho arisco desses. Coelho, borboleta, pirilampo.
E eu queria ser física, astrônoma, não sei, ou só pirada mesmo. Que eu queria.
Que a definição romântica do amor está decididamente fora de moda. É foda! Que as experiências às quais pessoas se referem com a palavra amor expandiram-se muito. Que essa cultura consumista que é a nossa, industrializa relações prontas para o uso imediato, o prazer passageiro, nada com muito esforço, receitas testadas, garantias de seguro total, devolução do dinheiro. Sim, porque "pessoas-balsa-com-um-marinheiro-inexperiente", criadas na fabulosa era dos acessórios, não querem a oportunidade de aprender a arte do reparo.
Não, ainda assim eu não consigo me livrar desse ímpeto romântico de ver as coisas. Nem da minha filosofia barata. Tenho um coração maior que o mundo. E só eu vejo o mundo com meus olhos.
Quem sabe, Betelgeuse, Alnilam, Bellatrix.
Antes de seguir meu caminho, abro devagar e totalmente os meus braços para depois fechá-los arredondados, tocando as pontas dos dedos de uma das mãos nas pontas dos dedos da outra. Como se faz para abraçar uma pessoa.

... e eu digo calma alma minha
calminha
você tem muito que aprender...

(Zeca Baleiro, Alma Nova)

19 agosto 2005

vê se ao menos me morde, mas não me mastigue assim

Sexta-feira, mas não é santa. Não acredito em pecados. Nem em culpa. A culpa não existe. Não sou católica. Eu sei que gostarias, mas não vão te colocar na cruz. Nem é sexta-feira da paixão e nem sexo. Pra quê essa frescura toda? Pra quê pudor? Jura no meu ouvido que não existe outra como eu. Me morde os ombros, me molha de saliva e encontra logo a minha boca. E me veio aquela coisa mole, frouxa, aquela coisa, aquelas coisas. Uma ou duas hoje, meu bem? De outros jeitos, de todos os jeitos. Penso. Descubro. Me desvenda. Continuo pensando. Olhos fechados, a cabeça abandonada entre as minhas pernas. A língua deslizando devagar. Olhos fechados. Acabei de me masturbar. Não lavo as mãos para começar a escrever. Continuo o post? Não sei, mas não tenho o que temer. A noite de hoje tem o centro escuro, mas eu estou falando bobagem. Não são todas as noites escuras? E o meu próximo movimento só pode ser em direção à claridade do dia. Eu vou ser o sol. Levo o sol tatuado no pulso direito. Ele anda comigo por aí. Vai como quem diz "confio em você". Já esteve em muitos lugares comigo, e diante de pessoas também. Foi íntimo até. Nunca foi quase. Eu não sou uma pessoa de quases. Quase-verdade, quase-surpresa, quase-amigos, nada de intimidades, quase-amor, quase-rio, quase-choro, quase-desespero. Nunca sou quase. Inteira, isso é o que eu sou.
Tudo bem, descanse. Talvez consiga dormir. Me deixa passar as mãos pelos teus cabelos. Em voz baixa, eu canto pra te ninar.
Comecei a escrever sem saber o que dizia, e não parei. As palavras me escrevem. O que invento ou o que não invento me ultrapassa. E tem asas. E me dá asas. Hoje e sempre, amém.
Agora também.

05 agosto 2005

não sou desistida. sou é agora mesmo!

Estava pensando no Carlos Drummond, quando ele fala do "humano para humano". Que amar o humano do outro é aceitar e amar o meu próprio humano. É assim que eu posso crescer, e eu quero crescer. E quero sempre acreditar. Posso levar porrada, mas ainda acreditar e ter mais delicadeza para olhar as pessoas, as coisas, qualquer coisa.
A saber, meu pensamento vem quando ele quer, não quando eu quero. E eu não consigo parar de pensar. Fico pensando, pensando, não tem como desligar.
Mais uma dose? É claro que eu tô a fim... A noite nunca tem fim. Por que a gente é assim?
Aqui, bem do lado de cá da tela, eu estou. Mas onde estou? Reflito. E é uma pergunta que não tem sentido, pois eu sei qual é a resposta. Aqui é a minha vida. Aqui é um lugar em que, tendo eu aprovado ou não todos os fatos e circunstâncias, elas são parte da minha existência. E enquanto cai a madrugada, eu observo a noite e reflito sobre o que é me sentir fazendo parte de algo. Como é?
O quê? Não, eu não sou uma pessoa estranha. Não posso dizer que sou uma pessoa comum, mas não sou estranha. Eu vivo a meu modo. E tento estar sempre no “tempo da delicadeza”. Desconfio de equívocos neste mundo. Acho mais que existem apenas diferentes modos de pensar.
O quê? Se eu acredito em constância? A vida e todas as coisas passam, é quase tão certo e garantido quanto a paisagem correndo na janela do trem. Mas eu posso pensar diferente quando acordar. Vai sempre sobrar, faltar alguma coisa. Eu não sou perfeita.
E eu quero sempre o amor e as cores livres, coloridas.
Quer saber? Não me preocupa. O que não for é o que vai passar.


"Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? Olha, falta muito pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme dessas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando meu raciocínio?"
("Para uma avenca partindo" - Caio Fernando Abreu)