05 novembro 2011

mundo mudo

Salta, mundo, desse caroço
de pedra em que
estás aprisionado

toda rua termina em muro
toda palavra representa
uma falha

salta, mundo, desse
caroço
de pedra

as camadas de aluvião
para que aflore
um grão
um broto
um grito para quem está
exausto de auscultar teu corpo
ferido

(Donizete Galvão)

Para tu... que não te moves de ti.



04 agosto 2011

sem enfeite nenhum

Queria sentir a chuva de flores amarelas, de Cem anos de solidão, e renascer dessa imagem feita só de sensações.

a espantosa realidade das coisas, de Fernando Pessoa

A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. Naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade. 

05 julho 2011

o acaso dos ventos

Vontade de empunhar a caneta, jorrar tinta em você. O telefone não acabou com esse gênero histórico. A carta continua resistindo aos séculos. A letra no papel. O tempo da escrita. O tempo que não é o mesmo da pessoa que vai receber a carta, é outro. Ainda assim, vale. Valerá. 
Quem apaga isso?
Aprendia-se a amar, primeiro, por meio das cartas. O amor inscrito no papel. A carta era a promessa do corpo. A promessa da inscrita do corpo no corpo do outro.
O amor.

22 junho 2011

I hold you in my mind

Certa noite, ela e eu descobrimos a música. "Dance with me, I want my arm about you, that charm about you will carry me through to... heaven!"
Já tentei começar a escrever pra ela algumas vezes. Fico vacilante. Queria escrever algo no tom dela. Mas a música dá uma saudade! E eu só sei sentir.
Um bom abraço,
e saudades,
e vem cá,
e até

17 junho 2011

nexus

Algumas vezes, o pensamento faz amor.
Que lua haverá "la noche que me quieras"
[...]
Sei que tudo que estou fazendo é viajar sem me mover.
Saudade de você. Molhada e escorrida.


20 abril 2011

era uma vez uma história acontecida

E certa vez eu tive meu primeiro beijo com uma garota ou deveria dizer que ela certa vez teve o primeiro beijo comigo. Era no tempo de festa junina... Foi quando estávamos em quatro garotas, sentadas uma ao lado da outra, no condomínio onde ela morava. A ordem era Simone, ela, Carla e eu. Ela tinha 13 e eu 15. E no meio de uma conversa entre as quatro, ela me chama pra contar qualquer coisa no ouvido. Carla jogou o corpo para frente para que ela e eu pudéssemos nos aproximar. E ela me disse “eu vou beijar você” e recuou lentamente a cabeça para trás, rosto colado ao meu, deslizando a boca do pé do meu ouvido até a minha boca. E tudo em mim parou. Simone e Carla falando em garotos e ela ali, entrando na minha história. Acho que mil expressões passaram por mim. Segundos em que o mundo parou para que eu sentisse aquela língua na minha boca. As duas sem jeito para o beijo e ninguém podia perceber. Tive vontade de abraçá-la. E o restante da noite se passou sem eu sequer imaginar o que elas falavam. Deviam falar ainda nos garotos. Eu só fazia “é”, “hum rum”. Eu havia tido meu primeiro beijo com uma garota e achei que nunca mais conseguiria sair daquele torpor. E me sentia tão mais velha do que ela. Quase uma criminosa por tê-la beijado de volta. Mas ela era tão adolescente quanto eu. Duas noites após aquela, eu não suportei. Inventei uma desculpa para as outras garotas, peguei a mão dela e a levei para as escadas do prédio. Parei logo no primeiro andar e eu a beijei. Com um desejo infinito de vencer todos os sentidos. Ainda tenho uma carta com um cacho dos cabelos dela.

É. Hum rum.

Há noites em que sinto a vida sem pressa de acontecer.

19 abril 2011

tedium vitae

A vida não é uma história em que cada minúcia encerra uma moral. Se assim fosse, seria irrespirável.

12 abril 2011

quase

Noite fria, e eu me sinto distante e então eu sinto uma saudade no peito, uma saudade de criança, e volto no tempo bem devagar, há 3 anos, há 10 anos, há 20 anos. Quase consigo aninhar as pessoas em meus braços.
Que vontade de escrever as sensações que sinto, palavras que pareceriam ridículas, simples demais e talvez você pensasse que escrevo por teimosia, só mesmo para existir. E não é que eu sinto algumas vezes a minha imagem perdida no espelho? Olho o meu reflexo e procuro a menina que fabulava histórias com bonecos de plástico e cadeirinhas de criança. Eu fazia novelas sentimentais bem atrás do pé de tamarindo. Uma árvore tão alta e tão idosa que teve que ser cortada pelo corpo de bombeiros. Mal sabíamos que aquela árvore era a força dos meus avós, da nossa família. Sem ela, ficamos menos nítidos.

A única realidade da vida é a sensação.
Fernando Pessoa

05 abril 2011

a indiferença nada mais é...

 

Autor: Elie Wiesel
A INDIFERENÇA NADA MAIS É QUE A INCAPACIDADE DE PERCEBER AS DIFERENÇAS.
É UM ESTADO ANORMAL, NO QUAL PERDE A NITIDEZ A FRONTEIRA ENTRE A LUZ E A ESCURIDÃO, A ALVORADA E O CREPÚSCULO, O CRIME E O CASTIGO, A CRUELDADE E A COMPAIXÃO, O TALENTO E A MEDIOCRIDADE.
ASSIM É A INDIFERENÇA!

Sobre o autor:
Elie Wiesel é um judeu nascido na Romênia e sobrevivente dos campos de concentração nazistas, que recebeu o Nobel da Paz em 1986 pelo conjunto de sua obra de 57 livros, dedicada a resgatar a memória do Holocausto e a defender outros grupos vítimas de perseguições.

23 março 2011

uma pedra no meio do caminho

O que fazer quando não se sabe o que fazer? Fazer de si.
Por enquanto, estou desfeita.

21 fevereiro 2011

o eco de antigas palavras bota no corpo uma "outra vez"

Absorvida na leitura de um livro e sentindo o aroma de café, penso nos três meses que levei para achá-lo em um sebo. Estava mergulhada na leitura do prefácio do meu livro quando ela me interrompe o pensamento. Vem ao meu encontro com trejeitos e gestos expressivos. Sinto-me feliz. Ela chama o garçom e pede a conta. E ri com riso tímido. E eu a quero inteiramente para mim.
Atravessamos o presente de olhos vendados, mal podemos adivinhar aquilo que estamos vivendo. E é assim que compreendemos o sentido do que sentimos. E ela encoraja o meu interesse por ela. Ficamos "presas" uma a outra em momentos assim. Momentos que sempre existirão em mim, momentos que parecem sair do chão como feiticeiras de Macbeth, em que esse rosto dela com todas as suas transformações e a fala vão me invadir.
Pode existir qualquer coisa mais importante que amar e ser amada? E correr os riscos do amor, vale? Não se arriscar é estar aprisionada em seu próprio corpo. Prevenir-se no amor é matar a capacidade de aprender com suas conseqüências. Vale a pena, sim. Mesmo que a canção diga que quando se ama se está sempre na plataforma de uma estação.
Bem posso, como quem ama, andar com os pés na terra e a cabeça no céu, com beijo de lábio de mulher, desejando com um amor possessivo, quase acidental. Amando, eu amo como ninguém no mundo amou. Ninguém conta as horas com ardor mais febril. Tudo é permitido: dizer tudo, tudo fazer, tudo ser, tudo experimentar, tudo em tudo.
Um número incalculável de corações bate em meu ventre. E minha língua buscando na noite salgada, na noite viscosa, na carne quente, na carne frágil. Sempre pensei que um dia ia tropeçar no meu tesão. Cheiramos. Percorremos. Mordemos. Esprememos. Lambemos. Todos os movimentos mais ondulantes. Sem-vergonhas. Retorcendo-nos. Atirando-nos uma na outra, confundindo nossos líquidos, nossos cheiros. Você me engravida de feminilidade. Assim. Assim. Assim. Assim. Assim...
Por instantes posso deixar de acompanhar as mazelas desse mundo para romancear a vida. Posso confiar nessa felicidade, confiar em meu amor, e me abandonar te olhando em silêncio e encantada com o que aconteceu de tão bom.
O amor tem tantos gostos.