23 setembro 2005

certa vez eu tive uma garota ou deveria dizer ela certa vez me teve

Me lembro de uma mulher que conheci que quase vomitava só com a idéia de dar uma chupadinha na sua melhor amiga. A pessoa não é o sexo da pessoa com a qual se deita. A pessoa simplesmente é. E quem vai olhar diferente se eu disser que, nestes dias de merda em que o mundo parece estar mergulhado, o teu sorriso, as tuas palavras e os teus seios são as coisas mais bonitas que eu já recebi? Nunca me envergonhei de dizer que amo. Porque a vida é breve, sim. Porque sei que não serei a primeira mulher, então prefiro ser a única. A única que.

E eu sou a minha história. Dentro dela, outras. E se não escrever com auto-consciência, minhas palavras não vão me servir, não terei lugar nessa história nem na existência. E se é o pau que faz história, eu também tenho o meu. Sacanagem, saca? E se o pau é uma coisa em si e a outra entidade (que eu e todas as mulheres temos e que até bem pouco tempo - e ainda acontece nos dias atuais - não se olhava, não se tocava, não se nomeava, que devia ser conservado tão impoluto que quase deixava de ser nosso) é uma entidade de si, a masturbação é, então, uma coisa para si. E se nem toda masturbação termina em orgasmo, fica interessante o pensamento de que vivo comigo mesma um casamento clássico. Mas não quero luxo nem lixo. No fim dessa conta, é gostoso transar com meu corpo numa boa.

E certa vez eu tive meu primeiro beijo com uma garota ou deveria dizer que ela certa vez teve o primeiro beijo comigo. Foi quando estávamos em quatro garotas, sentadas uma ao lado da outra, no condomínio onde ela morava. A ordem era Simone, ela, Carla e eu. Ela tinha 13 e eu 15. E no meio de uma conversa entre as quatro, ela me chama pra contar qualquer coisa no ouvido. Carla jogou o corpo para frente para que ela e eu pudéssemos nos aproximar. E ela me disse “eu vou beijar você” e recuou lentamente a cabeça para trás, rosto colado ao meu, deslizando a boca do pé do meu ouvido até a minha boca. E tudo em mim parou. Simone e Carla falando em garotos e ela ali, entrando na minha história. Acho que mil expressões passaram por mim. Segundos em que o mundo parou para que eu sentisse aquela língua na minha boca. As duas sem jeito para o beijo e ninguém podia perceber. Tive vontade de abraçá-la. E o restante da noite se passou sem eu sequer imaginar o que elas falavam. Deviam falar ainda nos garotos. Eu só fazia “é”, “hum rum”. Eu havia tido meu primeiro beijo com uma garota e achei que nunca mais conseguiria sair daquele torpor. E me sentia tão mais velha do que ela. Quase uma criminosa por tê-la beijado de volta. Mas ela era tão adolescente quanto eu. Duas noites após aquela, eu não suportei. Inventei uma desculpa para as outras garotas, peguei a mão dela e a levei para as escadas do prédio. Parei logo no primeiro andar e eu a beijei. Com um desejo infinito de vencer todos os sentidos. Ainda tenho uma carta com um cacho dos cabelos dourados dela.

É. Hum rum.

E tem noites em que sinto a vida sem pressa de acontecer.

canções de fundo: "Miss Q'n" (Zap Mama), "Seven days in Sunny June" (Jamiroquai), "I'd rather dance with you" e "The girl from back there" (Kings of Convenience), "O vento" (Los Hermanos - 4)

13 setembro 2005

conexões inesperadas e misteriosas e minhas asas crescem

Em 11 de setembro de 2001 começaram as grandes invasões bárbaras, com mais de 3000 mortos no WTC. Historicamente é insignificante. Para citar um exemplo americano, morreram 50 mil pessoas na batalha de Gettysburg (de 1 a 3 de julho de 1863), mas o significativo é que, em setembro de 2001, o coração do império foi atingido. Nos conflitos anteriores, Coréia, Vietnã, a guerra do Golfo, o império havia conseguido manter os bárbaros além de suas fronteiras. Nesse sentido talvez nos lembremos, e insisto no talvez, de setembro de 2001 como o começo das grandes invasões bárbaras.

Não sei se me classifico como anarquista, como comunista, como capitalista ambiciosa e puritana ou como socialista voluptuosa. Talvez voluptuosa seja insuficiente... libidinosa, libertina. E posso ser mandada ao inferno por isso. Condenada a tocar harpa eternamente, sentada entre João Paulo II e Madre Teresa.

A rigor, Marx era um burguês que comia as criadas, às escondidas.

Freud, metade homossexual, incapaz de comer a mulher aos 40, loucamente atraído pelos pacientes. Corre por aí que suas discussões com Jung não passavam de histórias com mulheres. De histórias de sacanagem.

Acho que os criadores das teorias sobre a sexualidade elaboram sua teorias em casas de massagem, açoitados com toalhas molhadas.

E a população despreza suas próprias instituições. E o governo dá o exemplo. E a degeneração de tudo. E não consigo enxergar um modelo de sociedade do qual posso dizer "é assim que eu gostaria de viver". Seja um plano místico ou santo, é quase impossível moldar a minha vida a partir de um exemplo à minha volta. E eu mesma não sirvo de exemplo para ninguém.

A ciência nunca se desenvolveu tanto, a vida nunca foi tão boa, mas vivemos nesse processo geral de dissolução da existência. Haverá salvação?

E amar é simples. O coração é um gráfico. E o coração humano se parece com um punho fechado envolvido em sangue. And there's a moment, there's always a moment, "I can do this, I can give in to this or I can resist it".

E em noites como essa eu me sinto beirando a marginalidade. Uma das cavaleiras do apocalipse dorme em mim.

E essa idéia de que se aprende pela dor, veio de onde mesmo? Papo de merda. A dor não precisa ser professora de ninguém. E o barulho que tentava me envolver já diminui com mais vontade. E eu ouço esses sussurros suaves vindos de dentro de mim. E me descubro de novo ou me descubro outra pessoa.

E quando eu encontrei um grande leão-da-montanha, sabe o que eu fiz? Fiz de tudo para parecer maior.

E eu não perco a minha afetuosidade. Cuidado e carinho independem da cama, da saudade, do rumo que damos as coisas. E domaremos nossos dias. Um dia de cada vez.

Tudo tem cheiro bom essa noite. Até a cor.