11 junho 2008

quem não tem namorado

Quem não tem namorado tirou férias do melhor de si. Namorado é a mais difícil das conquistas. Necessita de adivinhação, pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia.

Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão, é fácil! Namorado é mais difícil porque não precisa ser o mais bonito e sim quem se quer proteger, mas, quando chega, a gente treme, basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição. Quem tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes, mesmo assim pode estar sem namorado.

Quem não tem namorado não é quem não tem um amor: é quem não sabe o gosto de namorar.

Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, sessão das duas, medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho.

Não tem namorado quem transa sem carinho e se acaricia sem vontade virar sorvete ou lagartixa, quem ama sem alegria.

Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade ainda rápida, escondida, fugidia, impossível de durar.

Não tem namorado quem não sabe o valor de olhar encabulado; de carinho escondido ou flor catada no alto do muro e entregue de repente; de gargalhada, quando fala ao mesmo tempo ou descobre a meia rasgada; de ânsia enorme de viajar para a Escócia ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico, bugre, foguete interplanetário, ou carrossel de parque suburbano.

Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, fazer sesta abraçado e comprar roupa juntos.

Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor e de ficar horas olhando o outro, abobalhado de lucidez.

Não tem namorado quem não tem música secreta, não dedica livros, não recorta artigos e não se chateia com o fato do seu bem amado ser paquerado.

Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir; quem curte sem aprofundar; quem não passa ou recebe trote.

Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou ao meio-dia em dia de sol em plena praia cheia de rivais.

Não tem namorado quem ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações e quem só pensa em ganhar.

Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e tem medo de mostrar que se emociona.

Se você não tem namorado é porque ainda não descobriu que amar é alegre mas você pesa duzentos quilos de grilos, ponha a saia mais leve, aquela de renda de harpa e passeie de mãos dadas com o ar.

Enfeite-se com margaridas e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e sorria lírios para quem passar debaixo de sua janela.

Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão soasse a flauta e do céu baixasse uma nuvem de borboletas, cobertas de frases sutis e palavras de galanteria.

Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu nem cresceu aquele pouco necessário para fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido.

Enloucresça!...

(Artur da Távola, Amor a sim mesmo.)

Um comentário:

  1. o amor é mesmo um vício e este texto sobre quem não tem namorado é lindo!

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